foto:aline assumpção e charles steuck |
Anteros predomina até o Renascimento, quando a visão emerge lentamente como sentido erótico privilegiado, logo depois do tato. Na história ainda não escrita dos sentidos, essa erotização do olhar a partir da difusão da imprensa e a maior circulação das imagens teve um papel importante, pois a erotização do olhar não se deu apenas pela circulação de livros ilustrados, mas também porque houve uma intenção erótica na criação destas obras. Diversas imagens foram copiadas e se difundiram largamente, sua clandestinidade também permitiu a livre reprodução, tornando inúmeras imagens conhecidas, independente do texto que ilustravam. Gravuras mantidas em segredo com a intenção de excitação pelo olhar.
A invenção da imprensa transformou a relação da sociedade com escritos e gravuras, pois possibilitou que um maior número de pessoas tivesse acesso à palavra escrita e às imagens. Nesse mesmo período inicia-se um processo de maior repressão e controle da vida sexual, relacionados aos movimentos de Reforma e Contrarreforma. A repressão e a imprensa, além de contribuir para uma ampliação da circulação de obras consideradas eróticas/pornográficas, motivou o surgimento de uma cultura erótica, sobretudo imagética, tendo como apreciadores, além da elite letrada, um público das mais diversas classes sociais, que através das obras encontrou um meio de transgressão das normas.
Entre a concepção do erótico na antiguidade e na contemporaneidade, o ponto divergente está na transgressão. Enquanto o erótico na cultura antiga eram textos com intuito de diversão, educação, e claro, excitação; no mundo moderno o erótico entre censores, prisões e condenações tornou-se transgressão da moralidade social.
A repressão à ampla difusão das obras eróticas fez com que esta se torne um meio não apenas de transgredir a moral religiosa, mas também instrumento de crítica social e política, como as obras libertinas do século XVIII. As recorrentes punições àqueles que produziam e possuíam obras pornográficas conduziu a uma nova restrição à posse de livros, assim brochuras baratas ilustradas eram produzidas com intuito de serem lidas e descartadas logo em seguida, de forma a não serem surpreendidos com obras consideradas obscenas e, portanto, passíveis de punição. No século XIX a repressão aumenta com a ascensão da burguesia e a instauração da moral vitoriana, ou seja, um período em que a cultura erótica como movimento social, político e anti-moralista marginal praticamente desaparece, no mesmo sentido que a erótica é medicalizada e criminalizada, e aqueles que tivessem em sua posse alguma obra ‘suspeita’ eram considerados pervertidos.
Após o século XIX, mais do que ordenar o desejo, ao ser humano se impõe sua anulação, refletindo mais do que nunca o Eros descrito por Platão, em sua forma mendicante, de desejos insatisfeitos, reprimidos, proibidos, nublados pela moralidade pública, que por vezes condena o erótico. A mass media e a indústria pornográfica também auxiliaram na banalização do corpo, ao transformar a sexualidade numa mercadoria a ser consumida compulsivamente. Desejo e consumo se confundem. Corpos, pensados e vendidos como perfeitos, tornam-se banais. O erotismo, emaranhado à longa exposição de corpos e sexo, perde-se, é esquecido.
Em Escritos da Carne, o corpo do fotografado, o corpo do fotógrafo, o meu corpo e o teu corpo erótico estão presentes nessa exposição, ou melhor, nesse convite ao reencontro com Eros primordial, sobretudo na reflexão do desejo do corpo erótico ficcional presentes na literatura e na música, em que a erótica torna-se novamente uma exuberância da vida.
Carla Fernanda da Silva
Historiadora, pesquisador, professora universitária, e aficionada por fotografia